Se está funcionando, não conserte! (e outras lições ignoradas no branding)
Todo mundo deveria ter hobbies. De preferência com relativa distância aos temas de suas profissões. As ideias acabam se oxigenando e a vida pode ser mais agradável e diversa. Minha profissão é estrategista de marcas. Meu hobby é comprar whiskies que nunca provei antes. No trabalho ajuda empresas a colocarem suas marcas a favor dos negócios. Na diversão, experimento single malts, aqueles rótulos produzidos somente com cereais maltados de uma única destilaria. O whisky mais comumente conhecido é o blended, a mistura entre diversos single malts com whiskies de grãos. Isso representa mais de 90% do mercado mundial, sendo que a marca mais vendida é a Johnnie Walker. Seu posicionamento Keep Walking está comemorando em 2024 exatos 25 anos, mostrando que branding consistente gera diferenciação em um mercado com muitas marcas vistas como iguais entre si.
AS MARCAS E OS WHISKIES
Bem, acabei por misturar os 2 temas, profissão e hobby, em um bom blended. Branding e whiskies. Talvez você aí não tenha muita intimidade com a bebida, ou até mesmo com posicionamento de marcas. No entanto, assim como fiz em outro artigo uns anos atrás, vou propor um breve teste. Caso nunca tenha ouvido falar destas 2 marcas abaixo, qual delas escolheria e por que?
Se para você as 2 marcas são ilustres desconhecidas, então vai ser necessário investigar um pouco mais. Olhe para as cores, os nomes, as embalagens, os rótulos. Cada detalhe vai compor uma imagem mental definida com pistas do que pode estar ali. Talvez alguns detalhes de ambas tenham se destacado.
A Glenmorangie pode lembrar algo mais artístico, delicado, inspirado na sofisticação da moda francesa. Por outro lado, a Ardbeg passa uma informação mais dura e pesada, mostrando confiança e orgulho discretos em sua imagem mais elitizada. O conjunto das sensações e impressões que cada um tem individualmente vai montar uma visão de qual mensagem cada marca está implicitamente comunicando para as pessoas. Detalhe, ambas pertencem a mesma empresa, LVMH, a maior gestora de marcas de luxo do planeta.
HISTÓRIA E IDENTIDADE DE MARCA
Viu só? Whiskies e branding têm muito a ver entre si. Parecido com outros segmentos, como perfumes por exemplo, a linguagem das embalagens e identidades visuais contribuem com um papel fundamental no posicionamento das marcas. A Highland Park é uma das destilarias mais conceituadas de toda Escócia. A sua versão 18 anos é um dos 5 melhores whiskies que já provei, com alguns especialistas a pontuando com 99 de 100 pontos possíveis. A destilaria está construída na remota Kirkwall, capital das ilhas de Orkney, extremo norte escocês. No século IX, Orkney foi conquistada e colonizada por vikings noruegueses. As ilhas tornaram-se uma base estratégica para incursões vikings na Escócia e na Irlanda e Orkney se estabeleceu como um importante centro da cultura nórdica. A marca Highland Park tratou de cultivar essa história em sua identidade e posicionamento como fica claro na sua linha de produtos.
No entanto, no final de 2024 a marca surpreendeu ao fazer o lançamento mundial das novas garrafas, totalmente reestilizadas, com mudança das formas, transparência, assim como uma nova identidade visual. Um novo apelo de comunicação com flores e uma “homenagem às ilhas que abrigam a destilaria”. A estética viking e a honra a sua história ficaram presas em algum lugar no passado. Talvez você possa até lembrar de alguns aspectos da Glenmorangie, mostrada no exemplo mais acima.
Os valores centrais dos vikings eram moldados por sua cultura guerreira e por suas crenças mitológicas e sociais. A honra pessoal e familiar era um valor primordial. Ser desonrado ou desleal podia levar ao ostracismo ou a disputas violentas. Eles valorizavam a fidelidade aos líderes e à própria comunidade. Os vikings admiravam indivíduos capazes de sobreviver e prosperar sozinhos. A habilidade de resolver seus próprios problemas era uma marca de caráter forte. Em resumo, lealdade e independência eram aspectos centrais da cultura viking, assim como são pontos importantes para um bom branding: lealdade aos valores da marca e independência para seguir seu caminho. Parece que a Highland Park esqueceu tudo isso.
Aquilo que não está quebrado não precisa ser consertado. Isso vale para marcas de whisky e para todo resto:
1. Essência de marca é algo raro, não deve ser jogado fora, assim como aquele bom whisky maturado por décadas no barril de carvalho.
2. Ser diferente do seu concorrente não é algo ruim, muito pelo contrário, é um dos princípios para um bom posicionamento, sobretudo em um segmento com em torno de 200 marcas só vindas da Escócia (são umas 130 destilarias ativas).
3. Respeite e preserve seus ativos de marca, eles demoram para serem reconhecidos, consistência vale mais do que criatividade, assim como aquele whisky na garrafa não envelhece mais.
Curiosamente a palavra branding tem raízes no antigo nórdico brandr, que significava "queimar". Essa origem remonta à prática de marcar gado com ferro quente para indicar propriedade, uma técnica usada por diversas culturas ao longo da história. Então, descubra logo a sua história, marque, diferencie e posicione. E muita saúde às marcas!
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